segunda-feira, 30 de março de 2020

SUICÍDIO OU VIDA
TÁNATOS OU EROS 

Escrevi esse texto hoje, 30 de março, em resposta a um ensaio de Vladimir Safatle https://jornalggn.com.br/…/bem-vindo-ao-estado-suicidario-…/ do dia 25 de março ("O estado suicidário"). Resumo: lembro da evocação por Eduardo Viveiros de Castro de GAIA, uma representação simbólica da mãe terra em suas reações devastadoras aos desequilíbrios ambientais.  E sugiro uma releitura da visão OTIMISTA do Decameron de Boccaccio, que a partir da morte (a peste negra) sugere voltar-se para o EROS, o AMOR




Vladimir Safatle, com o vigor e estilo forte, que o caracteriza, escreveu um texto, há alguns dias. Recebi este texto via emb. Jerônimo Moscardo, o grande criador do gruppo FILOSOFIA NA PRAIA, que agradeço (sempre!).
Segundo Safatle, estamos condenados à morte, que o estado (totalitário) nos está reservando.
"Você é parte de um experimento. Talvez sem perceber, mas você é parte de um experimento.... Esse experimento do qual você faz parte, do qual te colocaram à força tem nome. Trata-se da implementação de um “Estado suicidário” como disse uma vez Paul Virilio" (https://jornalggn.com.br/…/bem-vindo-ao-estado-suicidario-…/)
Confesso, que o texto de Safatle tem seu grande fascínio e, para mim - laico - tem o atrativo de adentrar-se em temas e conceitos que não conheço bem. Havia, há um certo tempo, uma teoria relativa à "fase final do capitalismo", também uma teoria que chamaria de "catastrofista". Na época pensávamos na Revolução, como fase final e agora orientamos-nos rumo à morte. Outras épocas.
O mundo está-se autoeliminando?
Um grande antropólogo brasileiro, Eduardo Viveiros de Castro , que numa entrevista (de 2014...velha? antiga?) falava de GAIA, um nome simbólico, para representar as enormes, diversificadas, sofisticadas e, ao mesmo tempo, bem realísticas pegadas dessa "mãe terra" ao mesmo tempo um / monstro".
Viveiros diz: "O homem é então lançado no incontrolável e até na desesperança, no território de Gaia, o planeta ao mesmo tempo exíguo e implacável. Como escrevem logo no início do livro, com deliciosa ironia: “O fim do mundo é um tema aparentemente interminável – pelo menos, é claro, até que ele aconteça”.
O nome GAIA remete àquela que chamamos "mãe terra": da tradição mitológica, Gaia é poderosa e domina a terra. Era a deusa mãe, da Terra , companheira de Urano e mãe dos Titãs e dos Ciclopes. Evidentemente, os elementos que os ambientalistas arrolaram (superaquecimento, concentração da população, mudanças climáticas e outros fenómenos) todos juntos podem ser considerados expressão dessa força poderosa que é Gaia.
Mas o suicídio de que fala Safatle é outro: remete à carta de Hitler (do tipo: "morra Sansão e todos os filistéus") de 1945.
NÃO! não me parece que a situação atual aponte para um suicídio coletivo. PRIMO LEVI escreveu um magnífico conto sobre o tema do suicídio coletivo: "Rumo ao Ocidente/ Verso Occidente" (em Vizio di Forma), desc revendo
uma espécie de animais paradoxais - os "Lemmings", votados ao suicídio.
È desde 1492 (data simbólica) que o sistema capitalista, tende a racionalizar a produção e maximizá-la (Marx que falava disso). Mas o sistema instaurou uma perversa hierarquia, pelo qual há sempre um CENTRO que domina sobre as periferias e semi-periferias (Immanuel Wallerstein, sistema mundial da economia européia). Esse sistema não possui ÉTICA. Ou seja: a intervenção do Estado (para redistribuição de renda,. com finalidaes sociais) é possível somente numa pequena escala. Na União Soviética - no passado - havia uma forma de capitalismo monopolístico de Estado. Atualmente na China há um estado híper IMPERIAL, que permite a o desenvolvimento de um sistema capitalista extremado (como podem os guardachuvas chineses custarem no Brasil 10 Reais? Qual ínfimo salário na China deve permitir isto?) . O sistema permite alguma fala (controlada) desde que NÃO COLOUE EM DISCUSSÃO O PODER.
Parece que o estado (no mundo) esteja evoluíndo rumo a um controle total das informações e esteja concentrando a gestão doi poder em poucas mãos: na China, na Rússia, na Turquia e, tendencialmente, no Brasil, na Itália.
A crise atual, parece, leva a uma exautoração (eliminação, empurrão para periferia) de qualquer inciativa para influenciar o estado (realizar planejameto, criar soluções mais justas de distribuição, defender os mais fracos). Assistimos a uma forma de teatro de fantoches (eles sim, fantoches, esvaziados, que, como mortos vivos, tentam criar com o exagero das próprias besteiras, um pequeno espaço).
Quem parece votado à morte mesmo é a personagem que comprimenta desobedece ao MANDETTA (não seria quem MANDA nesse campo?). Na Idade média, hávia uma figura mítica (mas não comprovada historicamente). Chamavam-no de UNTORE (o que "ungía" , infectava "propositalmente" casas, paredes, roupas e pessoas, para espalhar a pestilência (mas nunca foi provado que isto realmente aconteceu).
[Um paréntesis a propósito de nomes: uma questão irônica (sempre há algo de estranho nos nomes (nomina consequentia rerum?). Podemos ler em
https://www.cognomix.it/origine-cognome/bolsonaro.php , que esse sobrenome pode estar derivando de "bolzon", igual a FLECHA, DARDO, ou ter sua origem num sobrenome irônico: "CHACOTA" ("em italiano ZIMBELLO) , que pode ser traduzido até em "palhaço". O site continua, dando outra origem: aries, para detonar as muralhas./]
Um paradoxo, a partir de Safatle:
estamos rumo ao fim do mundo? Como na Idade Média? Havia uma alegoria chamada "O Triunfo da morte" e um quadro famoso (de Buonamico Buffalmacco https://it.wikipedia.org/wiki/Trionfo_della_Morte_) com esse título, que podem ver em baixo
Sim eles também falavam disso (memento mori). Mas Giovanni Boccaccio, autor do Decameron, a partir disso, criou uma fabulosa arquitetura de "novelas" sobre a força do Amor. Amor que vence a morte. 
   Il Trionfo della morte (Buonamico Buffalmacco, cerca de 1320, Pisa. A esquerda extrema três caixões. À direita: dez jovens que se entretém e contas histórias e tocam música. Acima deles a morte com sua foice. 


EROS vincet TÁNATOS: é o Decameron. É notável que Boccaccio continuou sendo OTIMISTA, embora a peste de Florença tenha sido bem mais dura do que o atual virus.
Concordo, com Safatle que o conjunto de medidas implantadas durante esse nefasto governo (substituição de representantes razoáveis, nas Instituições, com executores do poder) leva a um efeito sombrio (de repente, podemos acordar com um grupo agressivo, que via utilizar o poder que robou literalmente, e vai partir para uma "fase dois". Afinal, o fascismo italiano, começóu via constitucional (e até o nazismo) e somente em 1925 eliminou completamente as Instituições, fechando o Parlamento).
Mas, ao contrário disso, atualmente, o rei parece mesmo nu. E, sobretudo - todo mundo pode ver - nu e sem máscara. Ele mora ainda a 150 m. do comerciante de armas ligado a bandidos e é próximo daquele miliano morto a queima roupa na Bahia.
No lugar de um suicídio coletivo (os Lemmings) não seria mais produtivo pensar numa iniciativa razoável, de bom senso. Pensar que o Eros pode ser entendida como força propulsiva. POdemos dar sinal de vida (se estivermos perto do suicídio coletivo, o que fazer? Mas se tivermos alguma possibilidade com Eros, melhor aproveitar). Juntos podemos pensar em como realizar ou contribuir para realizar uma transformação.

(O rei está nu ou, pelo menos, sem máscara) 

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