domingo, 22 de março de 2020

Risultato immagini per IMMAGINE DI CORONAVIRUSRisultato immagini per DECAMERON LA PESTE CORONAVIRUS 4



O Decameron  de Giovanni Boccaccio (1313-1375) . Um livro sobre o coronavirus? (inesgotável literatura)

Não sou certamente o primeiro a pensar numa analogia entre nossa época -  o Coronavirus - e o Decameron de Giovanni Boccaccio. Hoje Sergio Augusto, menciona Boccaccio, no Estadão. Trata-se de um livro redigido entre 1348 e 1351  em Florenca, na época da avalassadora epidemia de peste que se alastrou na Europa. Um terço da população da época foi arrastada. 100 mil habitantes somente em Florença, diz Boccaccio. Um número superlativo, pois os moradores da cidade eram estimados em pouco mais de 100 mil. O Decameron apresenta-se como um livro simplesmente e ingenuamente realista, embora seja uma complexa máquina narrativa. Mas há algumas analogias evidentes com nosso caso, nossa época, nossa crise.
 Um imperdível artigo de David Grossman (escritor israelense), publicado hoje No jornal La Repubblica (“Depois da peste voltaremos a ser humanos”) me levou a refletir mais sobre os efeitos desse drama cósmico e as analogias. Grossman, em seu artigo, apela ao humorismo, bendito humorismo, ele  o chama.  Analogia entre o artigo de Grossman e o Decameron é certamente a ironia, mesmo nas cenas mais graves: uma ironia forte, cortante, com veias de humorismo, porque mostra sempre o outro lado. O Decameron, contém já no título uma radical ironia (outro lado): em  grego Decameron significa “às dez jornadas”. Pois os eruditos da época lembravam certamente  de uma obra com nome parecido: Hexameron , os Seis dias da criação do mundo, de Santo Ambroise, do IV séc. Essa ironia é uma verdadeira provocação. Como comparar o Decameron, que fala, sim, da peste, mas que depois descreve o livre amor, e fala da lei da natureza, com um livro sagrado pela Igreja?Além disso, o subtítulo do texto é Príncipe Galeotto, que alude e evoca a Divina Comédia de Dante e um episódio especial: o beijo entre Paolo e Francesca, no Canto V do Inferno. Um beijo entre amantes, que testemunha uma grande paixão, mas que leva o Amor em níveis mais carnais e físicos.
Boccaccio é um protagonista: o Decameron é no fundo uma confissão. No Proêmio (a Introdução) ele declara: “ EU sou um daqueles”. Boccaccio está falando da doença chamada  ”mal de amor”, ou seja, da melancolia, que hoje poderíamos chamar de depressã: os que, desiludidos por amor, se tornam inconsoláveis, assombrados e tristes e ameaçam por fim a sua própria vida. Ele descreve um momento em que estava na beira da morte, pelo “mal de amor” e indica ter sido salvo pelas narrativas de amor que os amigos lhe proporcionavam: “eu estou firmemente convicto que [essas narrativas] é que me salvaram” , diz ele. Uma forma para afirmar  que a literatura pode salvar da morte. Ou que: A cura está na palavra.
O Começo do texto é dramático. Paradoxalmente, o motivo da morte não é o vírus, mas o mal de amor. O que faz de Boccaccio imediatamente uma testemunha. Que viu, que experenciou, que soube narrar sua experiência (antes do mal de amor e depois do tremendo flagelo, no qual ele perdeu parentes muito próximos).
Na Introdução à Primeira Jornada o texto explicita sua estratégia: pois o ”horrível começo” [“orrido cominciamento”]  tem o efeito ao longo do livro de tornar o leitor otimista. Boccaccio o expressa assim: “[se estivermos] caminhando numa montanha íngreme e acidentada perto da qual esteja uma planice bonita e deliciosa, a descida é tão mais agradável, quanto maior foi a ascensão. E assim como o fim da dor a alegria ocupa, os infortúnios determinam a felicidade vindoura” Que é o princípio da comédia.
Trata-se de uma dor breve (“brieve noia”). “Eu falo de uma dor breve, pois ela pode ser descrita em poucas palavras; logo depois vai ter a doçura e o prazer que antes prometi e que talvez não seria tão esperado, se o início não fosse tal qual é”.
Aqui o texto muda e levanta o tom:
” Maravilhosa coisa é ouvir aquilo que devo dizer”. Boccaccio, testemunha deste evento terrível, descreve de forma realista, ou melhor híperrealista, as cenas de um cotidiano devastado, detalhando até o limite as descrições da peste.
Algumas citações do texto, que testemunham a modernidade da visão de Boccaccio:
“veio a peste mortal: que, por influência  dos astros ou por nossas obras iníquas, foi enviada pela justa ira de Deus para nos corrigir". È natural que  Boccaccio (que se tornaria um clérigo, ou seja, representante da Igreja) fale da ira de Deus. Mas antes  ele menciona a influência dos astros (ele  fala de  "operações dos órgãos superiores"), indicando uma comparticipação do destino, das estrelas, do azar ... Uma visão mais secular. Uma espécie de fitfty-fifty, que para época é bastante moderno. E finalmente, algo que um jornalista contemporâneo poderia ter escrito: "Para cura dessas infermidades, nem conselho de médico nem virtudes da medicina pareciam valer ou ter efeito". E aqui Boccaccio evoca aqueles que "sem doutrina" se ofereceram. Uma espécie de partido das fake news e charlatães da época:
“pelo contrário:  ou por que a natureza da doença não comportava [uma cura] ou pela ignorância dos que medicavam (entre os quais havia, além do número de cientistas, inúmeros mulheres e homens, que jamais tiveram algum conhecimento da medicina: e o número deles tornou-se muito grande) não se chegava às suas causas e, portanto, não se tomavam medidas apropriadas,  não apenas poucos saravam, mas quase todos no terceiro dia após o aparecimento dos sinais mencionados, morriam"”.
Por que e como a infecção ocorreu?
“E essa pestilência ganhou grande força, pois a partir dos enfermos, por via da comunicação, agredia os sãos, não diferentemente do que o fogo faz com objetos secos ou engordurados, quando se aproximar muito deles. E mais para frente aconteceu algo pior: não apenas falar e ter qualquer relação com os enfermos causava enfermidades aos sãos ou causava morte comum, mas tocar as roupas ou qualquer outro objeto, que fora tocado ou manuseado pelos infectados ou usado, por eles, parecia que a infermidade era transportada no que tocava."
O Decameron é um livro realista. Ou melhor: o Decameron é aparentemente  um livro realista. Partindo de um quadro não só realista, mas híperrealista, ele usa a ironia. E a ironia é a alma da literatura. Parecia um livro realista, que falava sobre a Idade Média. Mas é um livro de infecção científica, que fala também de nós.


o artigo de David Grossman se encontra, em italiano em 
o aceno ao Decameron de Sergio Augusto no Estadão do di 22-03
https://www.pressreader.com/brazil/o-estado-de-s-paulo/20200322/282686164309528

vejo agora que Vinicus Torres Filho também escreve na Folha de hoje (ilustrada) sobre o Decameron, entre outros, no contexto da peste. Todos os comentadores insistem em mostrar os jovens que fogem da cidade "pesteada". O interessante, é que Boccaccio descreve 1. a incapacidade da humanidade de prever o evento. 2. A difusão de fake News (falsos médicos, charlatães) 3. O contágio acontece por "falar, por reunir-se" . OU seja, não nicamente por contato físico. Observações ainda válidas, hoje.
Depois da peste, a partir de 1348 o mundo tomou um outro rumo, com desenvolvimento acelerado, concentração das áreas de desenvolvimento do capitalismo (précpitalismo. A ética, que a peste cntribuiu para desaparecer, foi substituída por um ideal de ciência, que vigora até hoje. 






Nenhum comentário:

Postar um comentário