quinta-feira, 30 de abril de 2009

leitura e ética na globalização

O mundo está realmente globalizado. Viver aqui ou lá é - em princípio - igual. Pois estamos em contato (via mídia, skype, internet) e qualquer coisa acontece num lugar do mundo, reflete e reverbera no outro, numa velocidade impressionante.É verdade pensar que o texto escrito teve na história fases alternas de leitura.

Basta pensar que na Idade Média, o texto era lido em pé e em voz alta (para nós hoje seria incomum, somente se pensarmos às histórias lidas aos nossos filhos, podems ter umaidéia). Ler em voz alta e em pé transmite certamente uma sensação diferente (talvez possa parecer estar fazendo alguma atividade profissional, enuqnato lendo numa rede ou deitados, temas a sensação de estarmos descansando).
A leitura chegou a uma fase diferente, na éra da revolução Gutenberg, ou seja: da imprensa. O livro era impresso e distribuído, constituiva um evento social e cultural de ampla repercussão. Um exemplo disso é o erro famoso, que o geógrafo alemão Marin Walseemüller que alguns anos depois de 1500 nomeou o novo Continente a partir do primeiro nome de Américo Vespúcio, um genovês que teve um papel, embora relativamente secundário. Foi o texto (com novo mapa de Waldseemüller) e o entusiasmo que criou um Continente finalmente aceito, com nome elegante e feminino como o dos outros: Europa, Africa, Asia, que consagraram a nomeação. De nada adiantou a tentativa do desconhecido geógrafo posterior de reverter o equívoco (em prol de Colombo).
A força do texto é que modificou o mundo, neste caso e não viceversa. A leitura chegou naquela épooca a uma fase nova, de extrema velocidade.
Finalmente hoje, na era da internet, a leitura ganha um novo impulso. Aumenta a massa de textos, diminui correspondentemente a possibilidade de triagem, de avaliação, de escolha.
Estamos dominados por um fetichismo do texto: possuir mais textos, guardá-los possivelmente nos arquívos, nos pen-drive. Parece que a qualidade do texto (antes manuscrito, lido em voz alta, depois impresso, distribuído em elegantes edições e, agora, colocado on-line, a disposição de todos (uma forma radicalmente democrática).
Todas essas são visões sociológicas da relação que estabelecemos com texto (o de como nossos antepassados teriam feito). Na relação individual, de leitor que enfrenta um texto, as coisas continuam do jeito que estavam antes. Pois o leitor lê seu texto e, ao mesmo tempo, engaja uma batalha com ele: o texto tenta passar para o leitor uma interpretação determinada: a que os críticos mais na moda, a tradição canônica aceitou. O texto tenta anular a capacidade crítica do leitor, para fazxer dele um reprodutor (não se tratr de um movimento consciente, mas de algo natural, pois uma absorção integral do texto assim como ele realmente parece é mais fácil, cria (aparentemente) menos problemas, defende o status quo. Por outro lado, ao leitor convém se contrapor ao texto. É útil considerar esta batalha algo saudável, com o desafio de encontrar uma fendauma falhauma fissura na textura do texto, de forma a explodí-lo e, com isso, realizar as condições de uma reconstrução, algo que acontece na quebra dos vasos e em sua restauração (algo ue na tradição hebraica é definido como Tikún.
Ler é, de certa forma, transformar, ou seja escolher entre a submissão à interpretação antiga (que cada texto traz consigo) ou defender sua própria interpretação: nova, criativa. Como efeito disso, o leitor deverá assumir a responsabilidade (jurídica e ética) de sua leitura. Trata-se de uma escolha que reverbera sobre o leitor, pois lhe permite de ampliar seu espaço de liberdade.

Na época da globalização, a leituira ainda pode significar um trabalho que fortalece a identidade.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Uma releitura de Primo Levi


ARTIGO (em português)

Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2008
Em 1947 Primo Levi publicou É isto um Homem?, livro de testemunho em que o narrador se vê constrangido à incômoda posição de personagem e se defronta com os limites da linguagem para dar conta do indizível.(Foto)Ítalo CalvinoO prazer da leitura, especialmente a de um clássico, é o de ler e reler um texto, à procura de novos aspectos, camadas e nuanças, pois "de um clássico, cada releitura é uma leitura de descoberta, como a primeira leitura", como afirma Italo Calvino, em seu Por que Ler os Clássicos. Por coincidência, foi o próprio Calvino que, literalmente, "descobriu" e resenhou o romance autobiográfico É Isto um Homem? (Rocco, 1988) de Primo Levi, publicado há 60 anos, pela pequena editora De Silva, de Turim. O livro relata sua terrível experiência em Auschwitz e, em sua resenha, Calvino aponta para a novidade desse texto, ligado ao aspecto especificamente literário do livro. Em seu Prefácio a É Isto um Homem? Levi escreveu que "este meu livro nada acrescenta quanto a detalhes atrozes" (p. 7). A novidade está no paradoxo de um texto que quer descrever uma experiência radical, que está evidentemente para além do dizível ("Pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa língua não tem palavras para expressar esta ofensa, a aniquilação de um homem." p. 24) e, em parte graças a isso, manifesta seu caráter notadamente literário. Calvino escreveu:Acredito que todo o sobrevivente que tentou escrever suas próprias memórias sobre aquela terrível experiência foi tomado por uma pena desolada: ter vivido uma experiência que passa os limites do dizível e do humano, uma experiência que ele não poderá nunca comunicar em todo seu horror a ninguém e cuja lembrança continuará a persegui-lo com a aflição de sua incomunicabilidade, como uma extensão da pena... Para fatos como os dos campos de aniquilamento parece que qualquer livro seja inferior à realidade, para poder dar conta deles. Mesmo assim, Levi nos deu sobre esse tema um magnífico livro, que não é somente um testemunho muito eficiente, mas contém páginas de uma autêntica potência narrativa, que ficarão em nossa memória entre as mais bonitas da literatura da Segunda Guerra Mundial (1)É Isto um Homem? foi antecedido por um "Relatório sobre a Organização higiênico-sanitária do campo de concentração para judeus de Monowitz (Auschwitz - Alta Silésia)", publicado em 1946 na revista Minerva Medica (2), assinado por Leonardo Debenedetti, um cirurgião, e por Primo Levi, químico. O texto fora encomendado pelo comandante russo do campo de refugiados de Katowice, onde Levi se encontrava após a libertação de Auschwitz. Esse relatório descreve de forma minuciosa algumas das doenças contraídas pelos prisioneiros dos campos e, de forma sucinta, mas precisa, o funcionamento das monstruosas câmaras de gás. Muitas das anotações do relatório serão incluídas no livro posterior de Levi, mostrando sua inconfundível contribuição à redação do documento e ao tom pacato de seu estilo. Mas, conforme diz no Prefácio, o livro "não foi escrito para fazer novas denúncias objetivas; poderá, antes, fornecer documentos para um sereno estudo de alguns aspectos da alma humana" (p. 7). Um sinal inconfundível do estilo de Levi e do caráter literário de sua obra é o uso de uma sutil e quase paradoxal ironia, num livro que contém a verbalização de uma experiência autêntica e inaudita. O livro começa com estas palavras: "Por minha sorte, fui deportado para Auschwitz só em 1944" (grifo meu). O texto certamente quer apontar para uma fase em que a máquina de aniquilação nazista tencionava suavizar relativamente a vida no campo, com o objetivo de prolongar a vida média dos prisioneiros. Mas logo no texto do primeiro capítulo, "A viagem", moldado a partir de uma visão da Divina Comédia (a descida, Caronte, o barqueiro infernal e outros elementos), o sobrevivente-testemunha declara, num surpreendente tom auto-irônico:Fui detido pela Milícia fascista no dia 13 de dezembro de 1943. Eu tinha 24 anos, pouco juízo, nenhuma experiência, e uma forte propensão [...] a viver num mundo só meu, um tanto apartado da realidade, povoado de racionais fantasmas cartesianos, de sinceras amizades masculinas e minguadas amizades femininas. Cultivava um moderado e abstrato espírito de rebelião (ib., p. 11).O tom escolhido em É Isto um Homem? contradiz o objetivo enunciado, que nasceu da "necessidade de contar 'aos outros'. De tornar 'os outros' participantes" (Prefácio, p. 7-8). Mas esse esforço está associado à frustração prévia, que o sonho típico do sobrevivente mostra - um sonho que ele e outros ex-deportados descreverão, diferente na forma, mas idêntico na substância, pois Levi sonha que ele volta para casa e conta aos amigos e familiares dos horrores no campo e gradativamente os interlocutores desaparecem, deixando-o com a sensação de não conseguir se comunicar - que aponta para a sensação de impotência, de incapacidade de verbalizar sua tremenda experiência. A escrita é, ao mesmo tempo, uma escrita secreta ("Então pego lápis e caderno e escrevo aquilo que não saberia confiar a ninguém", diz Levi em É Isto um Homem?, p. 144), vencendo o constrangimento e a necessidade contraditória de querer se livrar a qualquer custo da memória do horror.O paradoxo da incomunicabilidade da experiência de que fala Calvino em sua resenha sobre É Isto um Homem? encontra-se expresso, de maneira especialmente clara, num capítulo do livro intitulado "O canto de Ulisses". Esse capítulo realiza uma operação de memória literária, através da releitura e da reinterpretação do personagem criado por Dante, um Ulisses temerário e louco. Trata-se de um capítulo muito curto, uma espécie de mise en abîme, uma micro-história que aponta para a macro-história do relato literário do sobrevivente: neste capítulo: o narrador relata uma hora de conversa entre ele e Pikolo (um jovem prisioneiro que representa a figura na base da hierarquia no Lager, entre os judeus), tecendo uma história que se espelha na história do Lager como um todo: a literatura como resistência contra o horror do campo de concentração. Durante o trajeto para buscar a sopa (propositalmente mais longo, para esticar o tempo da caminhada) Pikolo, que é um alsaciano e, portanto, bilíngüe (um típico exemplo da Babel de línguas do Lager) pede que lhe dê uma aula de italiano e Levi escolhe como tema o Canto XXVI da Divina Comédia de Dante Alighieri, "O Canto de Ulisses". O tempo da narrativa amplia-se e permite uma inserção de uma verdadeira aula de literatura. "Quem sabe como e por que [a Comédia] veio-me à memória" (p. 114), declara ele, dando vida a uma paradoxal aula de língua e literatura italiana, que ele ministrou durante essa caminhada ao lado de Pikolo, e da qual se lembrou, enquanto escrevia o livro, registrando-a em meia hora.Levi descreve (no tempo do narrador, lembrando o episódio do campo) sua tentativa de lembrar os versos de Dante, uma vez que obviamente não dispunha do texto no Lager. Ele arrola fragmentos de versos, frases truncadas, versões não confirmadas, hipóteses, na desesperada tentativa de reconstruir uma mensagem coerente que, por sua vez, tem como objetivo transmitir a Pikolo algo da língua e da literatura italiana e algo das questões filosóficas e existenciais desse Canto. O tempo preme: "Esta hora já não é mais uma hora..." (p.114), declara Levi angustiado e, logo adiante: "Estou com pressa, uma pressa danada" (p. 116). E ainda: "É tarde já, é tarde, chegamos à cozinha, vou ter que concluir" (p. 117).No texto, Levi acena com novas interpretações, intuições, leituras que surgem somente no instante de agora (na hora de recitar para o Pikolo os versos de Dante ou na hora de escrever sobre o episódio? Isso não fica claro). Seja como for, a metáfora de Dante é sutilmente utilizada para mostrar a impossibilidade de descrever a situação monstruosa e irrepresentável do Lager, algo para além de qualquer imaginação, sem fazer uso da literatura. No capítulo 2 de É Isto um Homem?, significativamente intitulado No fundo, o texto apresenta a perversa inscrição Arbeit macht frei (o trabalho liberta) como uma alusão à inscrição que consta no canto III da obra de Dante: Lasciate ogni speranza o voi que entrate. "Este é o inferno. Hoje, em nossos dias, o inferno deve ser assim..." (p. 20 ). A metáfora do Inferno de Dante, como reconhece o crítico Cesare Segre, perpassa todo o livro de Levi.Ao final do Canto XXVI de Dante, Ulisses descreve sua louca aventura, consciente de que encontrará a morte desafiando tanto os deuses pagãos quanto o deus cristão. Relata um episódio que termina com a punição divina pelo desafio, isto é, relata sua própria morte. Ulisses é, antecipadamente, a testemunha integral, no sentido em que Levi a define em Os Afogados e os Sobreviventes. Embora personagem de ficção reinterpretado por Dante Alighieri, Ulisses, de fato, é a única testemunha a conseguir descrever sua própria morte. Ele é ao mesmo tempo o terceiro distanciado do episódio (enquanto narrador do episódio) e o sobrevivente envolvido. É ele a testemunha integral. E o canto de Dante e o capítulo de Levi terminam com os seguintes versos:Faz três vezes girar a nau que aferra;e na quarta levanta a popa à altura,e a proa declina, fiel a quem impera;E nos fecha das águas na clausura (3) ■Andrea Lombardi é professor de Literatura Italiana na Universidade Federal do Rio de Janeiro e realiza atualmente pesquisas sobre o tema do exílio na literatura1 - Revista Riga, op. cit., p. 113.2 - Minerva Medica, nº XXXVII, julho-dezembro de 1946, p. 535-44 em Primo Levi. Opere a.c. Marco Belpoliti. Turim, Eianudi 1997 I, p. 1335-60. O texto em italiano desse relatório encontra-se em www.dignitas.it/pdf/Monowitz.pdf . Um ótimo comentário, em língua francesa, em Philippe Mesnard www.revue-texto.net/Inedits/Mesnard_Levi.html .3 - Haroldo de Campos in Boitani, op. cit., p. 202.Fonte: Revista 18(Centro de Cultura Judaica)http://revista18.uol.com.br/visualizar.asp?id=897

terça-feira, 28 de abril de 2009

Por uma ética da leitura

2 a (português)
Por uma ética da leitura Esse é o título do Blog e gostaria de explicar meu objetivo.A palavra ética está ligada, em nossa tradição, principalmente ao comportamento ou à finalidade da existência: à nossa experiência de vida.Uma reflexão sobre a leitura (e o texto), sua tradição, seus modelos e uma atenção às práticas de leitura contemporâneas mostram que um estudo das características e idiossincrasias da leitura em si é muito mais indicada para quem trabalha com os textos e tem como objetivo uma leitura mais aprofundada, que seja ou não profissional.A leitura é um procedimento que impôe, em princípio, ao leitor uma escolha: entre o texto que acaba de ler, com suas próprias tradições de leitura ("canônicas") e uma nova interpretação que o leitor deverá criar. Uma nova leitura corresponde a um procedimento indispensável. Para garantir uma escolha de liberdade, que se reflete sobre o leitor e a própria abertura para leituras posteriores. Andrea Lombardi (texto provisório)
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Questo è il titolo del Blog e vorrei spiegare il mio obiettivo.
La parola etica è legata, nella nostra tradizione, principalmente al comportamento o alla finalità dell´esistenza: alla nostra esperienza di vita. Una riflessione sulla lettura (e sul testo), la sua tradizione, i suoi modelli e un´attenzione alle pratiche di lettura contemporanee, mostrando caratteristiche e idiosincrasie della lettura in sé, è molto piú indicato per chi lavora con il testo e ha come obiettivo una lettura più approfondita, che sia o no professionale. La lettura è un procedimento che impone, in principio, al lettore una scelta: tra il testo che ha appena letto, con le sue proprie tradizioni di lettura ("canoniche") e una nuova interpretazione che il lettore dovrà creare. La creazione di una nuova interpretazione è un procedimento indispensabile, per garantire una scelta di libertà, che si riflette su noi come lettori e sulla stessa apertura a letture posteriori. (Andrea Lombardi. testo provvisorio)

Por uma ética da leitura

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Esse é o título do Blog e gostaria de explicar meu objetivo.
A palavra ética está ligada, em nossa tradição, principalmente ao comportamento ou à finalidade da existência: à nossa experiência de vida.
Uma reflexão sobre a leitura (e o texto), sua tradição, seus modelos e uma atenção às práticas de leitura contemporâneas mostram que um estudo das características e idiosincrasias da leitura em si é muito mais indicada para quem trabalha com os textos e tem como objetivo uma leitura mais aprofundada, que seja ou não profissional.
A leitura é um procedimento que impôe, em princípio, ao leitor uma escolha: entre o texto que acaba de ler, com suas próprias tradições de leituras ("canônicas") e uma nova interpretação que o leitor deverá criar. A criação de uma nova leitura é um porcedimento indispensável, para garantir uma escolha de liberdade, que se reflete sobre a própria abertura para leituras posteriores.
(texto provisório)