sábado, 28 de março de 2020

Moldura, Visão, perspectiva

Tavoletta  de Brunelleschi 


Olhando para a natureza, a sensação é de estar “dentro do quadro”, “dentro desse mundo” e, portanto, mais do que um recorte, costumamos apontar para um determinado objeto (um elemento da natureza, um animal, um aspecto relevante ou curioso ou chocante). Raramente pensamos que olhando, o recorte se torna uma moldura, pois o objeto do que estamos falando ou estamos apontando, ele ganha relevo, ele ganha importância. Um escritor que refletiu sobre essa questão é Italo Calvino, em Palomar (um conjunto de artigos e ensaios, reunidos e que – o título o sublinha – têm o tema da visão.  Luigi Pirandello (escritor italiano do começo do séc XX), emnuma curta novela “La tragédia di um personaggio”  aponta para uma  teoria da luneta ao contrário, um exemplo do paradoxo que pode levar à loucura (ou pode levar o protagonista a ser considerado louco).
Independentemente de “como” nosso olho “vê” (sabemos que ele percebe as coisas “ao contrário”), a teoria da visão, a questão da moldura e a questão da pers A luneta foi inventada na Renascença ( e Galileu a aprimorou a usa)
pectiva se confundem.



Um exemplo interessante, e praticamente uma antecipação da fotografia (e de muitas outras coisas), é a teoria do arquiteto florentino Filippo Brunelleschi.  Era cerca de 1420, quando ele foi encarregado de construir uma cúpula, na Catedral de Florença, Santa Maria em Fiore.
Brunelleschi era  louco ou muitos achavam que ele o fosse!  Essa cúpula gigantesca (ao todo 116 metros de altura, que continua hoje ainda uma dais mais altas do mundo, apesar da evolução da tecnologia) foi construída SEM ANDÁIMES, o que é simplesmente uma verdadeira loucura! OU melhor, como dá para ver na reconstruição da imagem aqui em baixo, há uma estrutura interna, em madeira, que dá o suporte á cúpula. Na imagem de cima dá para enxergar a presença de uma DUPLA cúpula: uma externa, visível, e uma interna que rege todo o peso (e finalmente uma terceira cúpula, interna, que o espectador enxerga de dentro da Igreja).












Finalmente, alguns dados (não se consegue fugir da enumeração de alguns deles!:




sobre essa cúpula há rios de estudos, documentos, imagens.
Altura total: 116,50 m
Altura 55 da base
Altura da “lanterna”: 21 m
Altura do tamburo : 13 m (ou seja, o suporte da base octogonal)
Peso da estrutura: 37 mil toneladas (!)
Foram usados 4 milhões de tijolos
(vejam esse pequeno documentário da National Geogrpahic ou procurem achar links interessantes). https://www.youtube.com/watch?v=6ecKKg1Rn1w&t=6s

Mas, Brunelleschi é considerado também o inventor da PERSPECTIVA, ou seja: uma forma de “ver” de forma “científica”.
 



  
Existe uma forte ligação entre a “visão”, a introdução (mais do que invenção) da perspectiva e a fotografia (do séc. XIX). A questão central, a meu ver, é a adoção de uma visão CIENTÍFICA  (ou chamada tal), pela qual o mundo passava a ser redresentado de forma homogênea e passamos a acreditar que haveria uma forma de representar o mundo “assim como ele efetivamente é”, uma antecipação da visão positivista.
|Dante, na Comédia, fala de Giotto, como um grande pintor ( Pg XI 94-96)
Credette Cimabue ne la pittura / tener lo campo, e ora ha Giotto il grido, / sì che la fama di colui è scura.
E, no Decameron de Boccaccio, Giotto é ainda mais exaltado:
“fu Giotto, ebbe uno ingegno di tanta eccellenza, che niuna cosa dá la natura, madre di tutte le cose ed operatrice col continuo girar de’ cieli, che egli con lo stile e con la penna o col pennello non dipignesse sí simile a quella, che non simile, anzi piú tosto dessa paresse

[ Giotto tinha uma engenho de tal excelência, que de nenhuma coisa vinda da natureza, mãe de todas as coisas e  realizadora [de tudo/] com o contínuo girar  dos céus, que ele [Giotto] com estilo / com o estilete e com a caneta ou pincel não pintou a ela semelhante, que não parecia somente , mas de fato  [propriamente ] ela mesmo parecia [o objeto representado em pintura]

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