sábado, 25 de fevereiro de 2012

Maquiavel, mais um comentário

Publico aqui um comentário de Evandro Souza a respeito das minhas observaçoes de um post anterior, sobre O PRÍNCIPE  de Nicolau Maquiavel, e convido outros  a se manifestarem, pois a questão de Maquiavel é particularmente interessante, a partir da visão da ética da leitura...


 Martin van Heems Kerck, 1527(sacco di Roma)


Escreve Evandro Souza (que aproveito para comprimentar!): 
"nas ações de todos os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o que vale é o resultado final". Uma coisa que sempre me pareceu um paradoxo é a forma como Maquiavel legitima o uso da tirania política pelo príncipe. Ora, se vale qualquer coisa para se chegar ao fim ou obter o poder almejado, Maquiavel não deixa de ser um potencial obstáculo, pois o príncipe poderia também aniquilá-lo caso fosse necessário. Seria no caso uma ética que coloca seu próprio formulador numa forca. Enfim, não deixo de achar Maquiavel uma mente confusa. Ou talvez seja a minha... 


Vc está certo, Evandro: Maquiavel descreve um mundo de potenciais inimigos, um mundo cruel, que corresponde à idéia que temos do primitivo capitalismo. O príncipe deverá eliminar todos os que o cercam, em princípio, como, de resto, Cesare Borgia, protagonista do texto de Maquiavel, fez com Vitellozzo, barbaramente trucidado, de forma completamente desprevenida (e covarde). Se realmente quer alcançar a função de Conselheiro do príncipe (que realmente ele almeja e para que ele escreve), Maquiavel terá que correr esses risco de ser considerado aliado desse ou daquele conspirador (como realmente aconteceu no passado). 
          Mas - eu diria - Maquiavel não sugere ao Príncipe uma nova ética. Nossa noção de ética está associada - sim - à norma, ao comportamento, às atitudes a serem tomadas. As normas que Maquiavel sugere, porém, representam um conjunto de visões altamente cínicas. Para poder fazer uma comparação, lembro da lastimável conduta que Cortés e Pizzarro,  enviados do imperador (Carlos V) tiveram alguns anos depois nas Américas. A conduta de Cortés no México, por exemplo e sua relação com Montezuma, foi a mais bárbara e deprimente atitude, que renega qualquer princípio humano.  Veja-se o excelente livor de Todorov: 
http://pt.scribd.com/doc/53164025/a-conquista-da-america-a-questao-do-outroLIVRO
Maquiavel - todos os autores são unânimes - "resgata" seu cinismo com  o capítulo em prol da unificação italiana, um capítulo meio fora do contexto do livro, que é tb o último.  

O que eu defendo é uma etica da leitura, algo radicalmente diferente de nossa noção de ética. Trata-se de uma visão da ética que se restringe (ou se concentra) na leitura e que se realiza com um triplo movimento: leitura e análise do texto, depois: escolha de um aspecto determinado da leitura (que o próprio texto deverá sugerir à moda a crítica estilística ou da Câmara clara de Roland Barthes) e, finalmente, a formulação da nova interpretação, cujo texto deverá-se apegar ao original de forma indelével (O modelo dessa leitura é apresentado por Harold Bloom em sua Angústia da Influência  e Cabala e crítica). De certa forma, como a noção de tradução se comporta com o original, na visão de Walter Benjamin, em A tarefa do tradutor.

O problema que me parece relevante, do ponto de vista da ética da leitura, que defendo, é  que a análise que Maquiavel faz da Pensínsula italiana da época não corresponde ao contexto, principalmente no que se refere ao equilíbrio do poder das cidades estados da Península. Pois não há dúvida que os dois estados (ou cidades estados) fortes eram Florença e Veneza, problemática que no Principe não merece a menor atenção. E não há dúvida que para a unificação da Península, a aliança entre esses dois estados era certamente decisiva. 
O Principe, então, vistas as imprecisões, deve ser considerado uma ficçãocomo a comédia A  Mandrágora do mesmo autor: um texto de ficção, uma narrativa. Enquanto descrição histórica, ela carece de fundamentos. Enquanto base para uma visão da ética capitalista, ela é lamentável. É somente enquanto obra literária que é muito marcante e desenvolve um estilo forte e próprio. 

Johannes Ingelbach séc XVII 
(Il sacco di Roma) 

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