Matthäus Merian, Sacco di Roma 6 maggio 1527.
Acquaforte da Johann Ludwig Gottfried,
Historische Cronica
Maquiavel e o destino da Europa
As
atuais dificuldades em que versa a Europa (Grécia e Itália, países de tradição “clássica”),
apontam para um duplo trauma de nascimento – como definir a violenta agregação
da Europa no séc XVI: uma origem, um nascimento? – quando príncipes se tornavam
imperadores pela ingerência dos aventureiros e do mercado e quando os estados
europeus se tornaram “modernos”, a um preço caro demais: devastações, emigração
de massa, erradicação das populações. A memória – é sabido – não concede
perdão. Ela guarda por anos ou séculos aqueles “monumentos da barbárie “
(W.Benjamin) e de forma abrupta (em crises subitâneas) ou, em momento de maior
calma (em princípio, momentos de crise ou de depressão) devolve seus fantasmas,
aumentados.
Desde
1492 o mundo está dividido numa hierarquia, que extendeu seus tentáculos sempre
mais longe e afirmou sua hegemonia no cosmo inteiro (I. Wallerstein O sistema mundial da economia européia).
O ano de 1492, fatídico, coincide com a expulsão dos “mouros” e, sobretudo com
a expulsão dos judeus, uma primeira catástrofe
inimaginável na história desse povo. É fácil ver retrospectivamente nos judeus, que
eram tradutores e intérpretes, além de comerciantes e cosmopolitas, uma espécie
de “consciência” coletiva intelectual do Velho mundo. Eles que falavam
facilmente seis línguas, administravam a Penínula Ibérica e, ao mesmo tempo,
eram letrados e especulavam sobre os complexos caminhos da Cabala. Expulsão dos
judeus, derrota dos mouros e “conquista”
da América: o ano de 1492 trouxe uma coincidência sintomática e programática: o
mundo “moderno” teve sua origem - como no terceiro filme Alien, quando vemos os
humanos são derrotados e um alien se dirige
à terra, comandado pelo computador central. O mundo, em sua expansão depois de
1492, vive essa sua origem muito violenta.
O mundo precusou afastar a ética, simbolizada pelos judeus e, posteriormente,
pelos protestantes (os católicos eram governados por papas-reis, guerreiros e bom viveurs).
Maquiavel
escreve então seu Principe, com um
estilo vigoroso, repleto de imagens fortes, que reforçam o uso da língua vulgar
moderna, no caso dele o florentino.
Mas Maquiavel comete dois tropeços metodológicos, que ficaram encobertos pelo
brilho de sua prosa. Por um lado, a Serenissima,
a gloriosa República de Veneza, é considerada por ele um inimigo mortal (e isso
foi não somente por Maquiavel). A unificação da Península (último dos capítulos
do Principe), certamente não podia
ser empreendida, se Veneza, principal potência na Península e no Mediterrâneo continuava
considerando prioritária uma aliança com o papa ou com a França, exatamente contra Veneza).
Em
segundo lugar, se Maquiavel não disse literalmente, como muitos afirmam, a
fatídica frase: “O fim justifica os
meios”, ele escreveu algo muito parecido: em seu cap. XVIII o Principe afirma que “nas ações de todos
os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o
que vale é o resultado final. “ (Príncipe, cap. XVIII, p. 107 Penguin – Companhia,2010 ). A
subordenação ao fim parece muito
clara na narrativa do Princípe, que apresenta Cesare Borgia como herdeiro das
glórias de Florença e da Itália. E Borgia, no fundo é um espécie de anão
deformado (historicamente e eticamente), um Jack
o Estripador da política. Filho do
sangrento papa Alexandre Borgia, irmão de Lucrezia Borgia. Somente uma
visão distorcida e irônica de um Maquiavel, autor da Mandrágora, podia ser
apresentado como potencial origem de uma nova dinastia, que poderia unificar a Itália.
A
hipóetese, aqui, é que a ética de
Maquiavel pode ser considerada falha e pouco produtiva, não porquê de forma escandalosa
defende uma prática vergonhosa das relações humanas (há uma condescendência com
a terrível violência representada de forma espalhafatosa), mas porquê sua leitura do contexto da época estava equivocado, pois a ausência da Sereníssima República de Veneza na análise
da Península apontava para uma falha decisiva. Para Maquiavel também vale o
princípio – que é vigora na literatura: uma análise precisa estar baseada numa
leitura plausível e aceitável, para tornar-se pertinente (ou seja: que pertence)
e produtiva
(ou seja, que se torna indispensável na leitura posterior).
"nas ações de todos os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o que vale é o resultado final".
ResponderExcluirUma coisa que sempre me pareceu um paradoxo é a forma como Maquiavel legitima o uso da tirania política pelo príncipe. Ora, se vale qualquer coisa para se chegar ao fim ou obter o poder almejado, Maquiavel não deixa de ser um potencial obstáculo, pois o príncipe poderia também aniquilá-lo caso fosse necessário. Seria no caso uma ética que coloca seu próprio formulador numa forca.
Enfim, não deixo de achar Maquiavel uma mente confusa. Ou talvez seja a minha...